quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Velhice

Quando é que um poema está pronto? Tem uns que demoram, empacam, a gente fica ali, puxando pelo cabresto, dia após dia, pedindo pro poema deixar de coisa, andar, que ficar parado não adianta, mas não tem jeito: o poema não vai e ponto. E tem outros que são justamente o contrário: vêm quase psicografados, sem muitas arestas. Deslizam da mente para o papel como se fossem um Rolls-Royce fluindo pelas curvas do countryside britânico. Um luxo! Para nós, pequenos burgueses da pequena classe média, muito pouo afeitos à labuta, ao suor, eles são cobiçadíssimos. Esse aqui é um deles:


Velhice

Quando eu estiver tão velho que for centenário
ninguém terá a ideia de comprar
tantas velinhas para mim quantos forem os meus aniversários
para colocar em cima de um bolo simples
feito com carinho e dedicação.

Um bolo sem recheios, mas com coberturas e confeitos.
Feito com carinho e dedicação.

E, despejando as centenárias velas sobre a mesa,
uma, duas, seis,
trinta e sete, noventa e sete e

meu Deus, não é que me venderam errado?
Faltam três!

E as velinhas sendo colocadas no bolo,
lado a lado,
numa tal concentração de mãos.

E o bolo simples, de cobertura grossa e doce,
com noventa e sete velinhas em cima e
ninguém percebendo a diferença
entre noventa e sete e cem.

Ninguém.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Sem muita bossa

Tem uns poemas, eu até gosto deles, mas acho que não têm valor literário. Esse é um deles:


Se você disser que eu desafino amor

Nossa bossa
cheia de fossa

Roça roça
teu barquinho na minha wave

O dia lá fora tão grande!
a janela nem alcança

Isso que eu sinto no peito
é falta de ar ou de esperança?

depressa
vem
me distrai:

balança balança
o teu barquinho na minha wave

trovões!
tempestades!
clarões!

Tudo jogo de luz, som e fórmica.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

um poema de que gosto muito - escrito em agosto de 2009

Travessia

Na falta de terra e água,
construir um poema com areia e sede,

um poema desses que se perde
na imensa solidão das palavras vencidas:

depois de dias sob o sol inclemente,
lutando, tentando, avançando, sem oriente,
finalmente muitas ficam pelo caminho,

esqueletos nos lembrando que
toda travessia é um risco.

Por isso mesmo,
recomenda-se juntar as palavras em comboio
e mantê-las alerta para que nenhum cisco
caia em seus olhos

(na claridade cortante do deserto
o poema é um comboio frágil,
enxerga pouco e é pouco ágil,
qualquer corpo estranho pode ser fatal);

mesmo assim, não importam os avisos,
palavras não resistirão:

aos poucos o corpo do poema será
também um corpo de vazios e de silêncios

e será assim mesmo:
os vazios, os silêncios e as palavras
em companhia e avançando
sem garantias
dia após dia

em meio à solidão.

E quando, fragilizado porém resistente,
a travessia tiver terminado,
terá terminado o poema?

Este, talvez, sim.

Mas, ainda assim,
enquanto houver palavras
(ainda que tantas faltem),
outros poemas virão.

em construção

a janela
o lado de fora
está tudo escuro

a noite serve de escudo

vem, vamos
rápido que já já a noite amanhece
e o nosso corpo sem rastro ganha sombra

vem, vamos
como dois clandestinos
pelos cantos, pelas esquinas
expondo os intestinos

vem, vamos
pular o muro
desafiar o escuro
com uma gargalhada

vem, vamos
passear pelo cemitério às escondidas,
profanar a cova onde dorme o

amor

vem, vamos
sentir dor
chegamos tarde demais

a cova já está vazia
e a câmera está filmando,
por isso,

sorria

teste inicial

escrevo

BRANCO

sobre fundo preto