sábado, 5 de dezembro de 2009

Necessários - um rascunho

Na verdade, Leo, eu criei o Garagem de Palavras para ir rascunhando alguns poemas daquele que eu planejo ser o meu primeiro livro. Mas veja o que é o ser humano: meu perfeccionismo não me deixa exibir rascunhos! Acho todos muito ruins!

"Velhice", por exemplo, é um poema acabado. Os outros idem. O único que foge à regra e que serviria ao propósito do blog é aquele rascunhado naquele post que eu intitulei "em construção". Mas não sei, acho ruim. Acho que falta.

De todo modo, por causa do seu puxão de orelha, passo para cá uma outra ideia que me surgiu:

NECESSÁRIOS

fruta inútil
a vida pesa

pesa até cair
no quintal vazio

não muito longe,
a tarde revira os esqueletos do dia
em busca de algum músculo esquecido

amanhã
fome redobrada
dormiremos

até que não sejamos mais necessários

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Velhice

Quando é que um poema está pronto? Tem uns que demoram, empacam, a gente fica ali, puxando pelo cabresto, dia após dia, pedindo pro poema deixar de coisa, andar, que ficar parado não adianta, mas não tem jeito: o poema não vai e ponto. E tem outros que são justamente o contrário: vêm quase psicografados, sem muitas arestas. Deslizam da mente para o papel como se fossem um Rolls-Royce fluindo pelas curvas do countryside britânico. Um luxo! Para nós, pequenos burgueses da pequena classe média, muito pouo afeitos à labuta, ao suor, eles são cobiçadíssimos. Esse aqui é um deles:


Velhice

Quando eu estiver tão velho que for centenário
ninguém terá a ideia de comprar
tantas velinhas para mim quantos forem os meus aniversários
para colocar em cima de um bolo simples
feito com carinho e dedicação.

Um bolo sem recheios, mas com coberturas e confeitos.
Feito com carinho e dedicação.

E, despejando as centenárias velas sobre a mesa,
uma, duas, seis,
trinta e sete, noventa e sete e

meu Deus, não é que me venderam errado?
Faltam três!

E as velinhas sendo colocadas no bolo,
lado a lado,
numa tal concentração de mãos.

E o bolo simples, de cobertura grossa e doce,
com noventa e sete velinhas em cima e
ninguém percebendo a diferença
entre noventa e sete e cem.

Ninguém.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Sem muita bossa

Tem uns poemas, eu até gosto deles, mas acho que não têm valor literário. Esse é um deles:


Se você disser que eu desafino amor

Nossa bossa
cheia de fossa

Roça roça
teu barquinho na minha wave

O dia lá fora tão grande!
a janela nem alcança

Isso que eu sinto no peito
é falta de ar ou de esperança?

depressa
vem
me distrai:

balança balança
o teu barquinho na minha wave

trovões!
tempestades!
clarões!

Tudo jogo de luz, som e fórmica.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

um poema de que gosto muito - escrito em agosto de 2009

Travessia

Na falta de terra e água,
construir um poema com areia e sede,

um poema desses que se perde
na imensa solidão das palavras vencidas:

depois de dias sob o sol inclemente,
lutando, tentando, avançando, sem oriente,
finalmente muitas ficam pelo caminho,

esqueletos nos lembrando que
toda travessia é um risco.

Por isso mesmo,
recomenda-se juntar as palavras em comboio
e mantê-las alerta para que nenhum cisco
caia em seus olhos

(na claridade cortante do deserto
o poema é um comboio frágil,
enxerga pouco e é pouco ágil,
qualquer corpo estranho pode ser fatal);

mesmo assim, não importam os avisos,
palavras não resistirão:

aos poucos o corpo do poema será
também um corpo de vazios e de silêncios

e será assim mesmo:
os vazios, os silêncios e as palavras
em companhia e avançando
sem garantias
dia após dia

em meio à solidão.

E quando, fragilizado porém resistente,
a travessia tiver terminado,
terá terminado o poema?

Este, talvez, sim.

Mas, ainda assim,
enquanto houver palavras
(ainda que tantas faltem),
outros poemas virão.

em construção

a janela
o lado de fora
está tudo escuro

a noite serve de escudo

vem, vamos
rápido que já já a noite amanhece
e o nosso corpo sem rastro ganha sombra

vem, vamos
como dois clandestinos
pelos cantos, pelas esquinas
expondo os intestinos

vem, vamos
pular o muro
desafiar o escuro
com uma gargalhada

vem, vamos
passear pelo cemitério às escondidas,
profanar a cova onde dorme o

amor

vem, vamos
sentir dor
chegamos tarde demais

a cova já está vazia
e a câmera está filmando,
por isso,

sorria

teste inicial

escrevo

BRANCO

sobre fundo preto