Travessia
Na falta de terra e água,
construir um poema com areia e sede,
um poema desses que se perde
na imensa solidão das palavras vencidas:
depois de dias sob o sol inclemente,
lutando, tentando, avançando, sem oriente,
finalmente muitas ficam pelo caminho,
esqueletos nos lembrando que
toda travessia é um risco.
Por isso mesmo,
recomenda-se juntar as palavras em comboio
e mantê-las alerta para que nenhum cisco
caia em seus olhos
(na claridade cortante do deserto
o poema é um comboio frágil,
enxerga pouco e é pouco ágil,
qualquer corpo estranho pode ser fatal);
mesmo assim, não importam os avisos,
palavras não resistirão:
aos poucos o corpo do poema será
também um corpo de vazios e de silêncios
e será assim mesmo:
os vazios, os silêncios e as palavras
em companhia e avançando
sem garantias
dia após dia
em meio à solidão.
E quando, fragilizado porém resistente,
a travessia tiver terminado,
terá terminado o poema?
Este, talvez, sim.
Mas, ainda assim,
enquanto houver palavras
(ainda que tantas faltem),
outros poemas virão.
Um comentário:
Penso que para poetas até o silencio
grita letras não?
Abraço
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