segunda-feira, 7 de setembro de 2009

um poema de que gosto muito - escrito em agosto de 2009

Travessia

Na falta de terra e água,
construir um poema com areia e sede,

um poema desses que se perde
na imensa solidão das palavras vencidas:

depois de dias sob o sol inclemente,
lutando, tentando, avançando, sem oriente,
finalmente muitas ficam pelo caminho,

esqueletos nos lembrando que
toda travessia é um risco.

Por isso mesmo,
recomenda-se juntar as palavras em comboio
e mantê-las alerta para que nenhum cisco
caia em seus olhos

(na claridade cortante do deserto
o poema é um comboio frágil,
enxerga pouco e é pouco ágil,
qualquer corpo estranho pode ser fatal);

mesmo assim, não importam os avisos,
palavras não resistirão:

aos poucos o corpo do poema será
também um corpo de vazios e de silêncios

e será assim mesmo:
os vazios, os silêncios e as palavras
em companhia e avançando
sem garantias
dia após dia

em meio à solidão.

E quando, fragilizado porém resistente,
a travessia tiver terminado,
terá terminado o poema?

Este, talvez, sim.

Mas, ainda assim,
enquanto houver palavras
(ainda que tantas faltem),
outros poemas virão.

Um comentário:

Robson Schneider disse...

Penso que para poetas até o silencio
grita letras não?
Abraço